quarta-feira, 1 de julho de 2009

diante da lei



Diante da Lei]

In Franz Kafka, O processo. São Paulo, Brasiliense, 1995. 6. ed., p. 230-32.

[...] Diante da lei está um porteiro. Um homem do campo dirige-se a este porteiro e pede para entrar na lei. Mas o porteiro diz que agora não pode permitir-lhe a entrada. O homem do campo reflete e depois pergunta se então não pode entrar mais tarde. "É possível", diz o porteiro, "mas agora não". Uma vez que a porta da lei continua como sempre aberta, e o porteiro se posta ao lado, o homem se inclina para olhar o interior através da porta. Quando nota isso, o porteiro ri e diz: "Se o atrai tanto, tente entrar apesar da minha proibição. Mas veja bem: eu sou poderoso. E sou apenas o último dos porteiros. De sala para sala, porém, existem porteiros cada um mais poderoso que o outro. Nem mesmo eu posso suportar a visão do terceiro", O homem do campo não esperava tais dificuldades: a lei deve ser acessível a todos e a qualquer hora, pensa ele; agora, no entanto, ao examinar mais de perto o porteiro, com o seu casaco de pele, o grande nariz pontudo e a longa barba tártara, rala e preta, ele decide que é melhor aguardar até receber a permissão de entrada. O porteiro lhe dá um banquinho e deixa-o sentar-se ao lado da porta. Ali fica sentado dias e anos. Ele faz muitas tentativas para ser admitido, e cansa o porteiro com os seus pedidos. Muitas vezes o porteiro submete o homem a pequenos interrogatórios pergunta-lhe a respeito da sua terra e de muitas outras coisas, mas são perguntas indiferentes, como as que costumam fazer os grandes senhores, e no final repete-lhe sempre que ainda não pode deixá-lo entrar. O homem, que se havia equipado bem para a viagem, lança mão de tudo, por mais valioso que seja, para subornar o porteiro. Este aceita tudo, mas sempre dizendo: "Eu só aceito para você não achar que deixou de fazer alguma coisa". Durante todos esses anos, o homem observa o porteiro quase sem interrupção. Esquece os outros porteiros e este primeiro parece-lhe o único obstáculo para a entrada na lei. Nos primeiros anos, amaldiçoa em voz alta o acaso infeliz; mais tarde, quando envelhece, apenas resmunga consigo mesmo. Torna-se infantil, e uma vez que, por estudar o porteiro anos a fio, ficou conhecendo até as pulgas da sua gola de pele, pede a estas que o ajudem a fazê-lo mudar de opinião. Finalmente, sua vista enfraquece e ele não sabe se de fato está escurecendo em volta ou se apenas os olhos o enganam. Contudo, agora reconhece no escuro um brilho que irrompe inextinguível da porta da lei. Mas já não tem mais muito tempo de vida. Antes de morrer, todas as experiências daquele tempo convergem na sua cabeça para uma pergunta que até então não havia feito ao porteiro. Faz-lhe um aceno para que se aproxime, pois não pode mais endireitar o corpo enrijecido. O porteiro precisa curvar-se profundamente até ele, já que a diferença de altura mudou muito em detrimento do homem. "O que é que você ainda quer saber?", pergunta o porteiro, "você é insaciável." "Todos aspiram à lei" diz o homem, "como se explica que, em tantos anos, ninguém além de mim pediu para entrar?" O porteiro percebe que o homem já está no fim, e para ainda alcançar sua audição em declínio, ele berra: "Aqui ninguém mais podia ser admitido, pois esta entrada estava destinada só a você. Agora eu vou embora e fecho-a".

Gostaria da opinião dos nobres colegas, sobre quem poderia ser este guardião (porteiro) da lei? O porque da lei se apresentar tão difícil ao homem do campo? será que é inacessível aos iletrados? isto é uma metáfora ou uma realidade de hoje?
Janilson Coutinho

3 comentários:

  1. NÃO ENTENDI NADA....
    ALGUÉM PODE ME EXPLICAR, FAZ FAVOR!!!!

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  2. Acredito que estes porteiro representa o próprio estado e sua burocracia, que impõe ao cidadão regras e procedimentos tornando o acesso a justiça quase inalcanssável. A complexidade de nossa ordem jurídica faz com que todos tornem-se dependentes dos juristas profissionais para que tenham acesso real à justiça, de outra parte a lógica capitalista induz os jusristas a atenderem prioritariamente am àqueles que pagam melhor por seus serviços. Essa conjuntura torna a justiça mais palpável quanto maior for o poder economico do cidadão. E uma metáfora não é uma representação lúdica de uma realidade?

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  3. Pensando no que o professor de Sociologia falou sobre palavras e coisas, que coisas só são algo por causa das palavras e por aí vai..... podemos ver que as palavras são de extrema importância e devemos ter muito cuidado ao preferi-las. Inclusive eu e Julio fomos advertidos quando mencionamos algo em sala de aula e novamente na quinta-feira quando mencionei que lia Paulo Coelho. Nada que diminuísse o nosso valor mas que nos dá uma dimensão do quão importante são as palavras.
    Bom, fiz todo esse “arrodeio” para dizer que temos que pensar nos dois lados, um no de deixar o direito e as leis mais acessíveis aos mais leigos, mas temos que pensar também no lado do direito para que ele não se perca com uma enorme flexibilização para alcançar o primeiro objetivo mencionado. Não sei se me explico.
    Ao mesmo tempo que temos um direito complexo, temos também muita gente leiga e sem vontade de saber um pouquinho pelo menos, e com a primeira oportunidade ficam a lamentar-se apenas.
    Nós no futuro como operadores do direito e/ou jusfilósofos deveremos criar mecanismos para que as pessoas que estejam interessadas sejam bem conduzidas e que consigam sanar suas dúvidas. Mas ao mesmo tempo não devemos escancarar as portas do direito. Correndo o risco de cometermos erros irreversíveis.
    Alguns passos estão sendo dados como a desburocratização do processo de separação amigável.
    Está tarde,
    Boa noite,
    REci

    PS.: Alterei a configuração para que qualquer pessoa possa postar. Solicitação de Felipe.

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